Todos aplaudem e invejam os músicos que conseguem “tirar de ouvido” qualquer música, acompanhar um cantor sem nem mesmo ter estudado a partitura ou improvisar de forma interessante dentro de determinada linguagem musical.
O que há em comum nessas atividades? Um ouvido bem treinado e a correlação entre o conhecimento técnico e o que o músico ouve.
Um músico bem desenvolvido consegue “ouvir” internamente os sons antes mesmo de executá-los, da mesma forma que um leitor consegue “ouvir” as palavras que lê, sem que tenha que pronunciá-las. Essa habilidade pode ser inata – o chamado “ouvido absoluto” – ou adquirida por meio de treinamento, o que leva ao chamado “ouvido relativo”.
Obviamente, a maioria das pessoas é capaz de ouvir os sons produzidos pelos instrumentos musicais, mas identificar e registrar seus atributos depende de um conhecimento prévio de certos elementos teóricos.
Mais uma vez comparando à linguagem falada, é necessário que a pessoa conheça e entenda os códigos utilizados para a escrita (as letras e os conjuntos formados por elas, as palavras) para que possa ouvir algo e escrever o que ouviu. Mas isso não impede que uma pessoa ouça palavras e as repita, mesmo sem saber como registrá-las (este é o princípio da fala!).
Do mesmo modo, é possível a um músico ouvir e reproduzir frases musicais ou notas isoladas, mesmo sem conhecimento teórico, desde que tenha domínio sobre seu instrumento e consiga identificar aquilo que ouviu.
Uma boa definição de percepção musical é “a capacidade de perceber as ondas sonoras como parte de uma linguagem musical”. A percepção musical, portanto, é uma habilidade importantíssima, essencial para o desenvolvimento do musicista completo pois, como se trata de uma linguagem, é preciso que ele aprenda a ouvir, reproduzir e escrever música.
O desenvolvimento da percepção musical
Assim como as letras são as células essenciais para a leitura e a escrita, elementos musicais isolados se agrupam para formar padrões com significado. As escalas, os acordes, o campo harmônico, as funções que os acordes praticam no fraseado, cadências e encadeamentos têm de ser percebidos pelo músico e praticados para que o reconhecimento seja instantâneo.
Isso cria uma biblioteca de padrões que, quando ouvidos, são reconhecidos facilmente, permitindo ao músico reproduzi-los ou registrá-los.
Mas se engana quem pensa que dominar auditivamente esses elementos é tarefa fácil: o binômio “ouvir/reconhecer” leva tempo. É um processo gradativo que depende de paciência.
“Primeiramente, há o contato com o fenômeno sonoro. Aprendemos a percebê-lo se o colocarmos em foco e estabelecermos comparações. Em seguida temos que nos familiarizar com o objeto em questão. Finalmente, estudá-lo, dissecá-lo, catalogar e compreender seus elementos é imprescindível para chegarmos à última fase, a do especialista”, explica o maestro e professor de percepção Reinaldo Garrido Russo.
Algumas técnicas são reconhecidamente mais eficazes para o domínio dessa atividade. Sem dúvidas, é necessário, primeiramente, saber teoria musical e conhecer os elementos estruturais da música, como notas, escalas, acordes e intervalos, além de divisão de tempos, como escrevê-los e como executá-los no instrumento
De posse desses conhecimentos, uma boa maneira de desenvolver a percepção musical é por meio da memorização. Criar analogias entre dados conhecidos, como as notas iniciais de uma melodia e quais intervalos elas formam, por exemplo, é uma ótima maneira de desenvolver o ouvido relativo. Com o domínio desse arquivo sonoro na memória, o músico pode ouvir determinado elemento – seja um intervalo, uma frase musical ou um acorde – e compará-lo ao que já conhece, fazendo a relação entre o que ouve e o que memorizou, o que possibilita identificá-lo.
Da mesma forma que uma pessoa consegue identificar o barulho do motor de seu automóvel ou o toque de chamada de seu celular, por estar habituada a ouvir esses sons e saber de onde emanam, é possível a qualquer músico memorizar desde o som das notas a padrões mais complexos, como escalas e acordes. Para isso, é aconselhável um estudo dirigido, que insira novos elementos a partir do domínio dos anteriores.
“A boa percepção, na maior parte das vezes, é um processo que fazemos quando somos orientados por alguém inteirado com o objeto percebido”, afirma Russo. “Raras são as vezes em que a boa percepção acontece pela simples capacidade de nossa inteligência ou de nossa vontade”, conclui.