Na técnica pianística, tão importante quanto saber quais notas se deve tocar é saber com quais dedos essas notas devem ser tocadas. Isso é chamado dedilhado ou, como alguns preferem, digitação. A escolha do dedilhado é fundamental para que se consiga executar passagens musicais de forma eficiente e confortável, com fluidez e facilidade, utilizando a mecânica que a conformação da mão permite e estabelece.
Mesmo na música popular, um bom dedilhado garante a execução de solos e melodias de forma musicalmente interessante, embora a rigidez em relação à técnica seja menor.
É comum a ideia de que há um padrão estabelecido para o dedilhado, e os mesmos dedos são utilizados sempre nas mesmas teclas. Isso é tão falso quanto dizer que não existe regra, cabendo aos pianistas escolherem como executar cada passagem.
De forma geral, pode-se dizer que as teclas não são sempre tocadas com os mesmos dedos, porque cada sequência de notas exige adaptações, e que o próprio desenvolvimento da música para piano aumentou as possibilidades de escolha e as dificuldades em relação a elas.
Ao escolher um dedilhado, portanto, o pianista deve levar em consideração a compleição física de suas mãos, a linha melódica e seu encaminhamento e até mesmo o período da história em que a peça foi composta. Com tantas variáveis, como escolher, então, o melhor dedilhado, principalmente para quem ainda não tem uma formação pianística completa?
A tradição e as diferentes escolas pianísticas já resolveram grande parte dos problemas referentes ao dedilhado. A maioria das partituras comercializadas, principalmente os métodos para iniciantes, foi revisada por pianistas e contém sugestões de quais dedos utilizar, por meio do uso dos números 1 a 5 indicando os dedos, do polegar ao mínimo, respectivamente.
Apesar de serem sugestões, que podem ou não serem seguidas por quem já possui algum conhecimento, pavimentam uma trilha segura para a boa colocação da mão sobre as teclas e a automatização de uma mecânica funcional.
O dedilhado pela história
Muitos compositores e pianistas famosos deram grande importância ao dedilhado, entre eles Bach e Czerny. Pode parecer curioso, mas os primeiros dedilhados para instrumentos de teclas utilizavam apenas o segundo e o terceiro dedos, até mesmo pela simplicidade das peças executadas neles.
Mais tarde foi adicionado o quarto, sendo constante o cruzamento dos dedos 3 e 4, prática evitada a todo custo atualmente, sem usar o polegar.
A regra estabelecida no século 16 era que as teclas deveriam ser tocadas nas bordas. Como nos instrumentos antigos as teclas eram consideravelmente mais curtas do que as do piano atual, não havia como utilizar o polegar e o mínimo, os dedos menos longos.
É atribuída a Bach a inovação da passagem do polegar por baixo dos outros dedos, mas foi o pianista e professor Carl Czerny que estabeleceu as primeiras regras de dedilhado, algumas válidas até hoje:
– Utilizar o polegar (dedo 1) como único pivô para a mão;
– Utilizar um dedo por tecla e não repetir o mesmo dedo em teclas consecutivas;
– Não utilizar o polegar (dedo 1) e o dedo mínimo (dedo 5) em teclas pretas;
– Usar dedos diferentes em notas repetidas;
– Utilizar substituições de dedos para obter um bom legato.
Beethoven considerou o dedilhado como um meio de transmitir sua intenção de expressão, no entanto, seus dedilhados originais são muitas vezes desconfortáveis e, não raro, foram substituídos pelos editores de suas obras.
Durante o Romantismo, com o desenvolvimento da virtuosidade como a conhecemos hoje, Chopin e Liszt extrapolaram os limites sobre o uso de todos os cinco dedos e adotaram o uso do polegar e do dedo mínimo também em teclas pretas.
No fim do século 19, o dedilhado da escala de Dó Maior foi padronizado e sua aplicação foi estendida a todas as outras escalas. Se tornou novamente comum cruzar os dedos 3 e 4 tocar repetidamente uma tecla com o mesmo dedo, prática comum na obra de Brahms.
Debussy não escreveu muitos dedilhados em suas obras, mesmo nos estudos, exceção feita, obviamente, ao Estudo de Oito Dedos, para o qual se recomenda não utilizar o polegar. Ravel, por sua vez, mesmo não sendo um grande pianista, deixou alguns dedilhados muito acertados em suas obras.
De modo geral, no entanto, deve-se respeitar os dedilhados originais do compositor, especialmente se ele foi um bom pianista, como é o caso de Prokofiev, Rachmaninov e Bartók.
Como desenvolver um bom dedilhado
Pensar em um bom dedilhado, que funcione, e respeitá-lo sempre, é essencial para chegar a uma interpretação segura e conseguir velocidade, fortalecendo a memória e automatizando o movimento.
Como disse a professora Jeanne Bamberger, “as escolhas de dedilhado frequentemente resultam de um tipo de consciência auxiliar; os dedos do pianista “aprendem” a tomar seu lugar espontaneamente, realizando o gesto musical simultaneamente ao gesto físico”.
Portanto, utilizar os dedos de qualquer jeito, sem pensar na mecânica do movimento mas apenas no conforto, ou dedos diferentes a cada vez que se executa uma passagem, especialmente se houver alguma dificuldade, é garantia de uma execução deficiente e musicalmente pobre.
A música é construída por sucessões de sons por grau conjunto (escalas) ou disjuntos (arpejos), portanto, o número de combinações é enorme e os dedilhados possíveis, infinitos. Há professores que afirmam que 90% dos casos de dificuldades técnicas do pianista relacionam-se à escolha do dedilhado. Sendo assim, nada mais produtivo do que dar a esse elemento a atenção que ele merece.
Como base de todo bom dedilhado, está o estudo das escalas e dos arpejos. Conhecer bem as escalas e os dedilhados correspondentes é muito útil para saber como executar grande parte das passagens musicais ao piano.
É praticando escalas que se aprende a passagem do polegar por baixo dos dedos e destes por cima dele, se estabelece a prática de tocar uma tecla com cada dedo, sem repetição e sem cruzamentos desnecessários, e se percebe qual o melhor dedo para iniciar uma frase. Os arpejos, por sua vez, ensinam a abrir as mãos e distribuir os dedos pelo teclado para executar saltos entre notas, o que pode parecer pouco natural, mas algumas melodias exigem.
Para quem está iniciando, o mais seguro é seguir a indicação das partituras, que trazem dedilhados sugeridos pelos compositores ou desenvolvidos por pianistas revisores. Em alguns casos, esses dedilhados podem ser alterados pelo professor por conta de uma técnica específica, pela conformação física da mão do estudante ou para buscar maior facilidade e mais conforto na execução.
Com o tempo e o domínio de escalas, arpejos e demais técnicas, o pianista, naturalmente, passa a desenvolver seu próprio dedilhado, não sendo necessário, muitas vezes, indicação alguma.
Otima infomacao! Estarei passando para os alunos!