As fronteiras das possibilidades sonoras e musicais do piano foram ampliadas ao longo da história, seja por meio da invenção de mecanismos como os pedais ou o escape, ou da criatividade de compositores como Chopin, Liszt ou Beethoven. No entanto, não satisfeitos em utilizar o piano de maneira mais tradicional, alguns estudiosos e compositores foram mais além.
Um dos mais controversos e inovadores compositores a utilizar o piano de maneira pouco usual foi Henry Cowell.
O americano compôs, em 1916, uma peça chamada “Dynamic Motion”, em que explorava pela primeira vez as possibilidades dos clusters (acordes construídos sobre notas adjacentes), técnica em que o músico precisa utilizar até mesmo os antebraços para reproduzir múltiplos acordes secundários e manter as teclas abaixadas, sem que firam as cordas, para estender e intensificar as dissonâncias.
Composta em 1917, “The Tides of Manaunaun” solidificou a técnica e se transformou no trabalho mais executado e famoso de Cowell.
Os estudos e a criatividade de Cowell o levaram ainda mais longe. Em “Aeolian Harp”, de 1923, o compositor faz que o músico toque nas cordas do piano, utilizando as teclas apenas para liberar os abafadores.
Ainda mais surpreendente é “The Banshee”, de 1925, que exige vários métodos de execução, como pizzicato e varredura longitudinal e raspagem das cordas.
Se os experimentos de Henry Cowell abriram as portas para um novo panorama na música para piano, explorando sonoridades de forma não usual, seu aluno John Cage extrapolou o instrumento em si, criando a técnica do “piano preparado”, em que os sons do instrumento são distorcidos por meio da inserção de objetos (chamados “preparações”) sobre as cordas.
Embora, teoricamente, qualquer objeto possa ser usado para preparar o piano, geralmente os objetos devem ter certas características, não se moverem durante a reprodução e não produzirem danos irreversíveis ao instrumento, ou seja, quando um piano devidamente preparado for “despreparado”, deve ser impossível para alguém dizer que ele já havia sido preparado.
A maioria das “preparações” altera o timbre da corda de tal forma que a sonoridade original não é mais notada.
Mas a inserção de materiais dentro do piano não é exclusividade de John Cage: até mesmo Heitor Villa-Lobos adotou a técnica. Em seu “Choros No. 8”, obra de 1925 para dois pianos e grande orquestra, o brasileiro adicionou à partitura instruções para o pianista inserir pedaços de papel entre as cordas e os martelos para alcançar certa sonoridade.
Recentemente, vários músicos têm se voltado para essas técnicas pouco ortodoxas, entre eles o PianOrquestra, grupo nacional que une música brasileira, dança, teatro e artes visuais, formado por quatro pianistas, uma percussionista e um piano preparado.
No campo da música dançante, o pianista Leon Michener reimagina a música empregando um sistema exclusivo de piano preparado amplificado.
Aumentando as possibilidades sonoras das 88 teclas do instrumento com objetos e suas próprias invenções, Michener, com o projeto Klavikon, cria cascatas de percussões e baterias, baixos contagiantes e paisagens sonoras abstratas.
Todas essas experiências, no entanto, exigem muita preparação e muito estudo para que tanto o instrumento quanto o músico não sofram danos, que podem ir desde problemas de mecanismo e precoce oxidação das cordas ao rompimento de uma delas, com a possibilidade de machucar o pianista que as esteja manipulando.
Trocando em miúdos, não tente isso em casa!
Os profissionais envolvidos têm amplo conhecimento das técnicas empregadas de forma a garantir a integridade do piano e suas próprias.