Pelas qualidades sonoras que apresenta, o piano talvez seja um dos mais nobres e perfeitos instrumentos musicais até hoje inventados. Seu berço, a Europa, assistiu à criação de obras primas da criatividade humana, incluindo o desenvolvimento desse instrumento tão rico em sonoridade. Por ser colônia de Portugal, no entanto, o Brasil não viu de perto esse processo.
Até o início do século 19, antes da chegada da Família Real, o Brasil – pedaço mais lucrativo do império português – era um local rude, sem moeda circulante, educação superior, hospitais e, até mesmo, saneamento básico.
Apesar disso, a música popular se desenvolveu desde os primeiros anos da colonização, principalmente com os batuques dos africanos e com as músicas religiosas. Mas a prática musical era tida com uma atividade subalterna, ligada aos ofícios manuais, não sendo praticada pela elite. A música mais formal desenvolvida por aqui era essencialmente sacra: todas as igrejas possuíam coro, mestre de capela e pelo menos um organista.
Os primeiros clavicórdios e cravos a surgirem por aqui foram trazidos pelos portugueses, notadamente os sacerdotes da Companhia de Jesus que, por conta de seus esforços de evangelização, os introduziram nos colégios, onde eram utilizados nas festas e cerimônias. Diversas fontes históricas comprovam a existência desses instrumentos no Brasil colonial, servindo também ao entretenimento de amadores anônimos.
O piano em terras brasileiras
Entre o fim de 1807 e o começo de 1808, com a chegada do príncipe regente Dom João, um aficionado pelas artes, e de todo o aparato estatal português para cá – uma média de 15 mil pessoas -, a situação, aos poucos, se alterou.
Segundo Mário de Andrade, grande estudioso da música no Brasil, os primeiros pianos foram trazidos para cá nessa ocasião e durante a permanência da corte portuguesa no Rio de Janeiro, no primeiro quarto do século 19. A abertura dos portos e os tratados firmados com a Inglaterra foram os principais fatores que determinaram a entrada maciça de pianos no Brasil.
Dominando o nosso mercado por força dos acordos diplomáticos firmados durante a guerra, os ingleses abarrotaram os portos nacionais com os seus produtos, inclusive pianos. A chegada de D. Maria I e D. João VI ao Brasil provocou, também, a introdução da estética musical erudita em um local acostumado com a sonoridade produzida pelas classes populares.
A Família Real trouxe para cá, também uma série de músicos que residiam em Lisboa. Mas quem inicialmente se ocupou do cargo de organista da Capela Real foi um padre brasileiro, mulato, chamado José Maurício Nunes Garcia, conhecido por seu gosto musical, bem como por suas composições e pelos ensinamentos dados a jovens estudantes.
Outro músico que se destacou na cena musical erudita foi o de Marcos Antônio Fonseca Portugal, o mais importante nome português do período que compôs diversas óperas graças à sua formação na Itália. Pode-se destacar, também, a presença de Segismund von Neukomm, pianista austríaco discípulo de Joseph Haydn, representante do classicismo vienense.
Além do patrocínio à vinda desses artistas, D. João VI decretou a construção do Teatro Real de São João, no Rio de Janeiro, inaugurado em 1813, e a fundação da Imprensa Régia, em 1808, que abriu a possibilidade dessa atividade ser exercida no país. Segundo a Enciclopédia de Música Brasileira, data de 1824 o que é considerado o primeiro registro de impressão de música no Brasil, portanto dois anos após a Independência.
Fabricação nacional
Relatos de Vincenzo Cernicchiaro em sua “Storia Delia Musica Nel Brasile”, dão conta de que, já em 1810, o Brasil ganhava sua primeira fábrica de pianos, situada em Pernambuco. O mais provável é que tal oficina teve origem na curiosidade de algum afinador, que, solicitado para reparar ou afinar pianos europeus, se especializou e teve a ideia de ganhar dinheiro com a montagem de outros, aproveitando peças.
Mas foi somente depois de 1850 que o piano assumiu papel de destaque na vida musical brasileira. A chegada ao Rio de Janeiro de Sigismond Thalberg, o célebre pianista e grande rival de Liszt, em 1855, marca o primeiro contato do público daquela cidade com um pianista de renome internacional que, durante sua permanência de seis meses, deu inúmeros concertos e deixou alguns discípulos, além de uma impressão indelével junto aos círculos musicais e culturais do Brasil. Citando um cronista daquela época, Andrade, observa que, já em 1856, o Rio se tornara “a cidade dos pianos”.
A permanência no Rio de Janeiro, em 1869, do pianista norte-americano Louis Moreau Gottschalk foi um segundo fato notável. Dotado de personalidade exuberante, Gottschalk, que morreu aqui, vítima da febre amarela, logo se tornou muito popular. Chegou a reunir mais de seiscentos e cinquenta músicos em um concerto em que dirigiu ao piano sua “Grande Fantasia Triunfal Sobre o Hino Brasileiro”, peça que, em sua versão para piano solo, com o título de “Variações sobre o Hino Nacional Brasileiro”, foi celebrizada, já no século 20, pela pianista Guiomar Novais.
Perto do final do século, diversos textos registraram ser possível localizar instrumentos até mesmo em fazendas do interior do País, a centenas de quilômetros das grandes cidades. Se iniciou uma verdadeira paixão nacional, com amplo interesse em torno de peças, partituras, compêndios e manuais.
Fundaram-se depósitos e lojas especializadas, e editaram-se livros e revistas musicais. Além disso, proliferaram as fábricas de pianos em São Paulo, Paraná, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mas somente com a chegada do século 20, com processos de industrialização e mão-de-obra especializada advinda das imigrações, a fabricação de pianos no Brasil atingiu níveis de qualidade comparáveis aos do resto do mundo.
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