Quando João Donato deixou sua terra natal – Rio Branco, no Estado do Acre – com destino ao Rio de Janeiro, não podia imaginar que ali se iniciava uma carreira muito controversa. O menino de 11 anos chegou à cidade grande tocando acordeon e piano e, logo, começou a se apresentar em festas do colégio.
Aos 15, iniciou sua carreira profissional como integrante do grupo Altamiro Carrilho e Seu Regional, participando, algum tempo depois, da gravação de um disco em 78 RPM contendo a canção “Brejeiro”, de Ernesto Nazareth.
O contato com o jazz ocorreu logo depois e Donato tornou-se membro do Sinatra-Farney Fan Club. Atuou em casas noturnas, como Plaza – onde o titular era Johnny Alf -, Drink, Sacha’s e Au Bon Gourmet, entre outras. Logo fez amizade com Tom Jobim, João Gilberto, Luiz Bonfá e outros expoentes do movimento que ganhava corpo e ao qual influenciou definitivamente: a bossa nova.
Entre os grupos que formou estão Donato e Seu Conjunto, Os Namorados, Trio Donato e Os Copacabanas. Em 1959, viajou para o México com Nanai e Elizeth Cardoso e dali foi para os Estados Unidos, onde permaneceu por três anos.
Excursionou com João Gilberto pela Europa e retornou ao Brasil em 1962, onde gravou os LPs Muito À Vontade e A Bossa Muito Moderna de João Donato e seu Trio. Considerando-se incompreendido no Brasil por ser “moderno demais”, voltou aos Estados Unidos, onde ficou por mais de uma década.
A música de Donato sempre foi considerada pouco comercial e popular, até que em seu retorno ao Brasil, em 1971, prestes a gravar um disco, recebeu um conselho do cantor Agostinho dos Santos: a de colocar letras nas músicas para cantá-las. Isso lhe abriu as portas do sucesso por aqui, com canções como “Chorou, Chorou”, “Até Quem Sabe”, “Lugar Comum”, “Emoriô” “Bananeira” e “A Rã”, algumas das quais do repertório obrigatório de todo pianista de jazz brasileiro.
Considerado um dos precursores e difusores da bossa nova, e ícone do gênero instrumental, Donato é homenageado como um dos grandes compositores da música popular brasileira e reverenciado por todo o Brasil.
Em 2014, o músico completou 80 anos e, em meio a uma série de comemorações e shows, a Fritz Dobbert teve a honra de participar dessa festa desenvolvendo uma edição comemorativa de piano, chamada “O Piano de João Donato”, fabricada com madeira originária do Acre – terra natal do compositor.
Palavra de João Donato
Você iniciou a carreira como acordeonista. Por que fez a transição para o piano?
Foi uma consequência natural. Eu gostava do piano, desde pequeno, achava um instrumento muito bonito, muito completo, com 88 teclas, que abrangia todos os instrumentos da orquestra, do grave ao agudo.
Eu tocava acordeon e achava incômodo ter que carregar aquele peso para casa. Eu estava em Los Angeles, em certa época. Tinha viajado para lá com o acordeon debaixo do braço para fazer parte de um grupo de brasileiros que já estavam nos Estados Unidos: Carmem Miranda e aquele pessoal que tinha ido muito tempo atrás.
Um belo dia, fiquei com preguiça de trazer o acordeon para dentro de casa e deixei no carro. Na manhã seguinte, já não estava mais lá. Aproveitei e nunca mais comprei outro. E nunca mais toquei acordeon. Fiquei no piano. Sempre foi um instrumento que me atraiu muito, desde pequeno.
Eu ouvia minha irmã tocar aqueles métodos do Hanon. Eu era três anos mais novo que ela que, bem novinha, estudava piano. Então, minhas primeiras ideias de música são das escalas dos métodos de principiante que minha irmã tocava e que me acordavam de manhã cedo. Depois que ela saía do piano, eu ia para lá brincar também.
Procurava tirar algum sentido nas teclas e fui criando gosto pelo instrumento. Notaram minha tendência para a música e me colocaram para estudar piano. Comecei, então, com uma professorinha no Acre. Mas depois continuei, com o tempo, estudando em todos os lugares por onde ando. Procuro estudar um pouco com as pessoas do lugar.
O sucesso no Brasil veio quando começou a colocar letras nas músicas. Seu estilo de compor ao piano facilita isso?
Tenho uma síndrome repetitiva, minha música soa meio repetitiva. Ela tem uma célula que se repete como se fosse um loop ou um refrãozinho. É disso que gosto, essas repetiçõezinhas que se apresentam como se fossem uma coisa primária, bem simples. Mas dizem que o mais simples é bem complicado. Escolas de filosofia por aí dizem que o simples é o complicado sofisticado.
Gosto dessa coisa e é nesse simples que está a complicação toda. Meu compositor preferido, por exemplo, é Debussy, que é o mais simples de todos e, ao mesmo tempo, o mais complicado, porque a harmonia dele é absurda até hoje e vamos descobrir os acordes dele e usar ainda por muito tempo. Ele influenciou o jazz, a bossa nova, o popular americano. A harmonia dele é maravilhosa.
Como definiria sua música?
Eu diria que é um jazz brasileiro, uma mistura de várias influências. Há quem diga que é um estilo “Donatiano”, mas não posso dizer isso. Diria que é um jazz latino brasileiro.
Como foi a homenagem da Fritz Dobbert para as comemorações de seus 80 anos?
Tenho um piano Fritz Dobbert com minha assinatura. É feito com madeira enviada pelo governo do Estado do Acre, a Curupixá. É uma madeira amarela da Amazônia, muito bonita, que só cortam a cada 30 anos. Estou tocando com ele em todos os lugares onde é possível levá-lo. Mas tenho dó de tirá-lo de casa.