Descubra o papel da improvisação no processo de aprendizado da música, através de conceitos que remetem há muitos anos.
O ensino de música tem se desenvolvido de maneira contínua há muitos séculos. Na antiguidade, fazia parte da educação completa do indivíduo, principalmente na Grécia, onde ocupava lugar de destaque como uma das formas de trabalhar o espírito. Desde a infância, os gregos aprendiam a tocar instrumentos como parte de uma formação mental consistente, por meio da compreensão progressiva da linguagem musical, de experimentos e da convivência orientada, com nítida compreensão da necessidade da música no âmbito social.
Da transmissão oral de conhecimentos, o ensino musical passou a ser cada vez mais sistematizado, visando, principalmente no século 19, o domínio da técnica como ferramenta para interpretar sentimentos em forma de música. Aos poucos, a música como manifestação social coletiva deu lugar à individualização. Acompanhando a história das civilizações e os grandes movimentos artísticos, a música no ocidente refletiu os anseios de cada período, tornou-se mais complexa nos âmbitos acadêmicos e transformou-se em exercício intelectual para as massas apoiado por métodos de ensino, mais ou menos rígidos.
Tanta sistematização levou à perda de elementos básicos do fazer musical, como o treinamento auditivo, a percepção harmônica e, obviamente, a capacidade de experimentar e improvisar.
Obviamente um pianista completo deve saber improvisar na linguagem que escolheu para seu desenvolvimento. Mozart, Beethoven, Liszt, Brahms e todos os grandes compositores dos períodos clássico e romântico sabiam improvisar sobre as bases chamadas eruditas. Grande parte da produção de música para piano de Chopin foi fruto das improvisações do compositor, que depois anotava o resultado em papel. As exigências da sociedade da época por instrumentistas virtuoses, que dominam seus instrumentos, mas não necessariamente a arte musical, persistem até hoje em muitos ambientes.
Na música popular, no entanto, a improvisação sempre teve grande presença. Nesse estilo os músicos, longe de precisarem exibir uma interpretação irrepreensível, se arriscam a fim de externar o que sentem ou ouvem internamente, mesmo não tendo, muitas vezes, a técnica perfeita para tanto, nem o conhecimento musical dos fenômenos melódicos, harmônicos e acústicos envolvidos. Essa ânsia deu origem às improvisações do blues e do jazz, assim como do choro e do rock, embora muitos músicos desses gêneros possuam grande conhecimento técnico e teórico.
Improvisação: um novo olhar
Principalmente durante a infância, a experimentação e a descoberta são frequentemente mais eficientes para o aprendizado que a simples aceitação de métodos e sistemas. São várias as escolas pedagógicas que estudam – e atestam – essa teoria.
Por que então, no ensino musical, a experimentação ainda é considerada barulho? Por que aos primeiros sinais de interesse da criança pelo piano, ela é levada a um professor que tenderá a ensinar as técnicas de performance e a teoria e não a permitirá descobrir o que o instrumento é capaz de fazer?
São vários os exemplos de grandes pianistas que iniciaram na música por pura experimentação – ouvindo e tentando reproduzir o que ouviam, explorando as notas e as sonoridades, desenvolvendo seu próprio vocabulário musical e improvisando – para somente mais tarde adquirirem conhecimento técnico-teórico que abalizasse suas descobertas e propiciasse um desenvolvimento mais completo.
Que tal começarmos a deixar nossos alunos explorarem o instrumento e descobrirem como aquilo de que tanto gostam é feito, orientando e sugerindo métodos para alcançar um resultado, em vez de colocá-los em uma fôrma da qual, muitas vezes, nunca mais conseguirão sair?
A improvisação pode ser uma ótima ferramenta de desenvolvimento da musicalidade. E sempre há como aprender a técnica e a linguagem musical tradicional. Música, em sua mais profunda compreensão, deve ser como a língua materna: aprende-se intuitivamente para somente depois aprender as regras da concordância e da acentuação e refinar o discurso.
Na verdade, em muitas escolas de música é até proibido improvisar, o que deixa o futuro pianista ou outro instrumentista muito limitado, ao ponto de não conseguir tocar sem partituras, esquecer o que decorou e até, nem sequer entender o que está tocando, inclusive a tonalidade e suas mudanças. O improviso ajuda na criatividade e deixa o instrumentista mais seguro na compreensão daquilo que está estudando.