Quem estuda piano já deve ter se deparado com símbolos curiosos no início das partituras: um “C” (c) ou um “C” cortado por uma linha vertical (¢), logo após a clave e os acidentes.
Esses símbolos, que substituem as fórmulas de compasso 4/4 ou 2/2, têm origens que remontam à Idade Média e ao desenvolvimento da notação musical ocidental.
Vale a pena recapitular, portanto, o que é a fórmula de compasso. Esse termo refere-se à fração que aparece no início da partitura, logo após a clave e os acidentes da armadura.
A fórmula de compasso determina:
- O número de tempos por compasso (numerador);
- A figura de nota que representa um tempo (denominador).
Por exemplo:
- 4/4 significa quatro tempos por compasso e cada semínima (1/4 de uma semibreve) vale um tempo;
- 3/8 indica três tempos por compasso e cada colcheia (1/8 de uma semibreve) vale um tempo;
“C” e o “C cortado”
O símbolo “C” na fórmula de compasso representa o compasso quaternário simples, ou seja, o 4/4. Isso significa quatro tempos por compasso, com a semínima recebendo o valor de um tempo.
Esse símbolo é conhecido como compasso comum (em inglês, common time), daí a letra “C”. É o compasso mais frequente em quase todos os estilos musicais: do piano clássico ao pop, passando pelo jazz, pelo blues e muitos outros.
Embora o 4/4 seja perfeitamente legível como fração, o uso do símbolo “C” tornou-se comum por questões de tradição, praticidade visual e clareza.
Já o “C” cortado por uma linha vertical (¢) representa o compasso de 2/2, conhecido como compasso “alla breve”. Esse nome vem do italiano e significa literalmente “à semibreve”.
No compasso alla breve, existem dois tempos por compasso e cada tempo vale uma mínima (metade de uma semibreve).
O alla breve costuma ser usado quando se quer indicar um andamento mais rápido ou simplificar a leitura em contextos com muitas notas curtas (semicolcheias, fusas etc.).
Origens históricas
A origem desses símbolos está profundamente enraizada na história da notação mensural medieval e renascentista, que precedeu o sistema moderno de compassos e figuras rítmicas.
Durante os séculos 13 a 15, a notação musical era baseada em conceitos filosófico-religiosos e, em muitos casos, associava-se à numerologia sagrada.
Na notação mensural, os músicos falavam em “tempus” e “prolatio”:
- O tempus definia se a semibreve seria dividida em duas (tempus imperfectum) ou três mínimas (tempus perfectum);
- A prolatio tratava da divisão da mínima em duas ou três semínimas (as “partes de tempo”, que configurariam, mais tarde, os compassos simples ou compostos).
O círculo (○) era o símbolo do compasso perfeito (três notas por tem com divisão ternária), representando a perfeição da Santíssima Trindade, o ideal sagrado.
O semicírculo (ou meia-lua, “C”) era o símbolo do compasso imperfeito, que indicava uma divisão binária, ou seja, duas notas por tempo, considerado “imperfeito”, mas mais prático para o canto coral e para a música dançante da época.
A linha vertical que corta o “C” surgiu mais tarde, quando se quis representar uma versão mais rápida e leve do compasso binário, ou seja, alla breve.
Assim, o símbolo “¢” passou a representar o compasso 2/2, que facilitava a leitura de peças com muitas figuras pequenas, pois os músicos podiam sentir a pulsação em mínimas em vez de semínimas.
Essa mudança tinha um objetivo prático: tocar mais rápido sem sobrecarregar a leitura.
Na prática contemporânea, mesmo com a possibilidade de simplesmente escrever “4/4” ou “2/2”, os símbolos “C” e “¢” continuam sendo usados por tradição editorial e eficiência visual e a escolha depende do contexto musical.
Para o pianista, entender a origem e o uso desses símbolos não só enriquece a leitura musical, mas ajuda a interpretar as intenções do compositor com mais fidelidade.
Os símbolos funcionam como uma linguagem abreviada entre músicos e preservam o elo histórico entre a música atual e o seu passado medieval e renascentista, uma herança viva da evolução da escrita musical.
Afinal, na música, cada detalhe, até mesmo uma simples letra, pode carregar séculos de significado.