Não há estudante de piano que nunca tenha tocado “Odeon” ou “Carinhoso”, típicas composições de um gênero que nasceu no Brasil, foi exportado e é cultuado mundo afora: o choro. Tido como a primeira música popular urbana típica do Brasil, o choro nasceu no Rio de Janeiro, por volta de 1870. Inicialmente, o choro não se caracterizava como estilo musical propriamente dito, mas pela forma “abrasileirada” com que músicos da época tocavam ritmos estrangeiros como tango, polca e valsa, entre outros.
A origem do termo “Choro”
A origem do termo é objeto de muitas discussões. Alguns estudiosos afirmam que o aspecto sentimental, melancólico e “choroso” que essa interpretação conferia às obras foi a inspiração para o nome do estilo. Outra versão diz que o termo surgiu de uma fusão entre “choro”, do verbo chorar, e “chorus”, que em latim significa “coro”. Outra ainda vê a palavra como uma corruptela de choromeleiros, corporações de músicos que tiveram atuação importante no período colonial brasileiro. O fato é que o termo já estava consolidado por volta de 1910.
O Choro: características, ritmos e mais
A principal característica do gênero é a improvisação instrumental, em que a função de cada instrumento varia de acordo com o virtuosismo dos componentes do conjunto, que podem assumir o papel de solo, contraponto ou as duas coisas alternadamente.
O choro não se caracteriza por um ritmo específico, mas principalmente pelo uso de síncopes e pela melodia repleta de ornamentos e improvisações. Sendo assim, é imprescindível ao pianista uma total independência de mãos para que as levadas rítmicas da esquerda e a melodia sincopada da direita interajam de maneira “suingada”, mas ao mesmo tempo com apelo rítmico constante.
A gama de ritmos nos quais o choro se baseia é muito ampla, e constam dela o maxixe, o samba, a polca e a valsa. Em relação à forma, o choro tradicional é caracterizado por três partes, cada uma, geralmente, com 16 ou 32 compassos, em tonalidades diferentes, com modulações para tons vizinhos.
O estilo se desenvolveu em conjuntos típicos formados por flauta, cavaquinho, pandeiro e violão – as “rodas de choro”. Só depois de algum tempo o choro foi adaptado para o piano, exigindo ambientes mais aristocráticos.
Os músicos e a ascensão do estilo
O flautista Joaquim Antonio da Silva Callado Júnior foi o responsável por formar o primeiro grupo instrumental de que se tem notícia, “O Choro Carioca”, além de vários outros, em um dos quais o piano foi incorporado com a presença de Chiquinha Gonzaga.
O choro para piano teve como ícone a figura de Ernesto Nazareth, que preferiu adotar a denominação “tango brasileiro” para suas peças, por rejeitar a ideia de que sua música pudesse ser considerada “popular”. Na época, eram conhecidos como “pianeiros” os pianistas populares, que ganhavam a vida tocando em cinemas, festas, bailes, casamentos e lojas de música.
O termo era pejorativo, vindo dos meios eruditos, pois muitos desses instrumentistas não liam partituras, embora improvisassem e demonstrassem técnica brilhante. Músico de trajetória erudita e ligado à escola europeia de interpretação, Nazareth compôs “Brejeiro”, “Odeon” e “Apanhei-te Cavaquinho”, que romperam a fronteira entre a música popular e a música erudita, sendo vitais para a formação da linguagem do gênero.
Nazareth e Chiquinha Gonzaga criaram as primeiras composições que firmaram o choro como gênero musical com características próprias, além de formar a primeira geração de “pianeiros” cuja obra resistiu ao tempo e ajudou a constituir o que se conhece hoje como “piano brasileiro”.
A partir da década de 30, impulsionado pelo rádio e pelo investimento das gravadoras de disco, o choro torna-se sucesso nacional. Uma nova geração de chorões organizou-se em conjuntos chamados regionais e introduziu a percussão nas composições. Nos anos seguintes, surgiram vários músicos, como Canhoto, Altamiro Carrilho, Jacó do Bandolim, Valdir Azevedo, Nelson Cavaquinho e Pixinguinha, entre outros (a data de nascimento de Pixinguinha, 23 de abril, é assinalada como o Dia Nacional do Choro). No piano, os grandes nomes da época foram o pianeiro e compositor carioca Sinhô e Zequinha de Abreu, autor de “Tico-Tico no Fubá” e “Sururu na Cidade”.
O choro, carinhosamente chamado de chorinho, teve seus elementos musicais característicos explorados por inúmeros compositores, como Villa-Lobos, Francisco Mignone, Osvaldo Lacerda e Camargo Guarnieri, para citar alguns. Entre os nomes mais recentes que se dedicaram ao gênero estão Radamés Gnattali, Cyro Pereira, Edmundo Villani Cortes e o pianista Hercules Gomes, grande divulgador do estilo atualmente.