Poucas obras na história da música ocidental evocam emoções tão intensas quanto o majestoso coro “Aleluia”, de Georg Friedrich Händel.
Com seus acordes triunfantes e vozes que parecem tocar o divino, essa peça se tornou símbolo sonoro das celebrações pascais ao redor do mundo.
Mas para entender o que há por trás dessa composição que se transformou em trilha sonora da ressurreição de Cristo, é preciso mergulhar na história da obra que a originou, o oratório “O Messias”.
Composição da música
Georg Friedrich Händel, compositor barroco nascido na Alemanha em 1685, já era uma figura consagrada no cenário musical europeu quando, em 1741, recebeu um convite inesperado.
Charles Jennens, um aristocrata inglês e colaborador de longa data, apresentou a ele um libreto baseado em passagens bíblicas selecionadas. Jennens, que tinha como objetivo criar uma obra sacra capaz de inspirar fé e contemplação espiritual, via em Händel o único compositor com a sensibilidade e o talento para essa missão.
Carreira do Georg Friedrich Händel
O convite chegou em um momento delicado para Händel. Sua carreira enfrentava declínio, suas finanças estavam abaladas, e sua saúde, debilitada.
Ainda assim, em um impulso criativo quase sobrenatural, ele compôs “O Messias” em apenas 24 dias. Em sua partitura, escreveu ao final das últimas notas: “SDG” — Soli Deo Gloria, ou “Glória somente a Deus”.
Música O Messias
“O Messias” foi apresentado pela primeira vez em Dublin, Irlanda, em 13 de abril de 1742, durante a Quaresma. Curiosamente, a estreia ocorreu fora da temporada tradicional de concertos sacros em Londres e foi organizada como um evento beneficente.
O sucesso foi estrondoso. Para acomodar o público esperado, as mulheres foram orientadas a deixar seus vestidos volumosos em casa, e os homens, suas espadas. Ao final da apresentação, mais de 700 pessoas haviam presenciado um momento histórico.
Apesar da aclamação em Dublin, a recepção em Londres foi mais contida, talvez pelo caráter inusitado de se executar uma obra com temas sagrados em teatros seculares.
Ainda assim, ao longo do tempo, “O Messias” conquistou seu espaço e passou a ser reverenciado como uma das maiores obras do repertório ocidental.
Partes da música O Messias
“O Messias” é dividido em três partes:
- A Profecia e o Nascimento de Cristo – Inicia com promessas messiânicas e culmina no nascimento de Jesus.
- A Paixão e a Ressurreição – Narra a crucificação, morte e gloriosa ressurreição.
- A Vitória sobre a Morte e o Triunfo Eterno – Exalta a promessa de vida eterna, finalizando com júbilo e louvor.
O famoso coro “Aleluia” encerra a segunda parte, e é nesse ponto da obra que a glória da ressurreição se torna musicalmente palpável.
A força de O Messias reside não apenas em seu conteúdo religioso ou na expressividade vocal, mas também em sua instrumentação, caracteristicamente barroca.
A versão original foi escrita para um conjunto relativamente modesto:
- Cordas (violinos, viola e baixo contínuo)
- Dois oboés (em seções selecionadas)
- Dois trompetes e tímpanos (usados pontualmente)
- E os indispensáveis instrumentos de teclas: cravo e órgão
Instrumentos para tocar a música
Esses instrumentos, centrais ao baixo contínuo barroco, formam a espinha dorsal da harmonia e sustentação da obra. O cravo atua com leveza e agilidade, especialmente nos recitativos e árias mais intimistas.
Já o órgão, com sua sonoridade imponente e sustentada, é utilizado em momentos mais grandiosos, como nos coros, reforçando a solenidade espiritual do oratório.
Há registros de que o próprio Händel tocava o órgão durante as apresentações, improvisando acompanhamentos e interlúdios. Sua familiaridade com os instrumentos de teclas conferia à obra uma fluidez expressiva única.
A alternância entre cravo e órgão, conforme as demandas dramáticas da narrativa, revela a genialidade com que Händel moldava a experiência sonora.
Com o tempo, adaptações e reinterpretações enriqueceram ainda mais o legado da obra. Em 1789, Wolfgang Amadeus Mozart criou uma versão mais elaborada de “O Messias”, adaptando-a ao gosto vienense e substituindo o cravo pelo pianoforte.
No século 20 e 21, surgiram interpretações com instrumentos de época e até versões gospel e africanas, como a produzida por Quincy Jones, que reinventam a obra sem perder sua essência.
Época da páscoa
Embora “O Messias” seja frequentemente associado ao Natal – sobretudo por sua primeira parte, que trata do nascimento de Cristo -, é na Páscoa que ele encontra seu verdadeiro ápice simbólico.
Ao longo dos séculos, muitas igrejas e instituições musicais passaram a incluir apresentações de “O Messias” como parte dos ritos pascais. Em especial, o “Aleluia” tornou-se um momento emblemático dessas celebrações. Sua mensagem é clara, poderosa e universal: “Ele reinará para todo o sempre”.
Curiosidades da música Aleluia
Uma das curiosidades que cercam o “Aleluia” é a tradição do público se levantar durante sua execução. A origem desse gesto é atribuída ao rei George II da Inglaterra, que, supostamente, ao ouvir o coro pela primeira vez, teria sido tomado por tamanha reverência que se pôs de pé, gesto que, por etiqueta, todos os presentes foram obrigados a seguir. Não há registro oficial desse episódio, mas a prática perdura até hoje em apresentações ao redor do mundo.
A força do “Aleluia” reside não apenas na sua mensagem religiosa, mas em sua linguagem musical. Os jogos de vozes, a intensidade crescente dos instrumentos e a estrutura repetitiva do texto (“Aleluia”, “Reinará eternamente”, “Senhor Todo-Poderoso”) criam uma sensação de êxtase. Mesmo para quem não compartilha da fé cristã, a peça é uma expressão do sublime.
Por isso, o “Aleluia” extrapolou os muros das igrejas. Pode ser ouvido em concertos seculares, em filmes, comerciais, flashmobs, casamentos e funerais.
Sua presença constante nas celebrações pascais, no entanto, reforça seu papel como símbolo de renovação e esperança. O coro “Aleluia” celebra a vitória da vida sobre a morte e o reinado eterno de Deus.
É a música que explode de júbilo diante da ressurreição, o momento que, para o cristianismo, sela a esperança da salvação.