O “Prelúdio, Coral e Fuga” é obra austera e, ao mesmo tempo, libertária, e se tornou presença obrigatória nos recitais de pianistas até meados do século 20. Seu compositor, o pianista, organista e professor César-Auguste Jean-Guillaume Hubert Franck, que passou à história como César Franck, nasceu a 10 de dezembro de 1822, em Liège, na Bélgica, mas construiu toda sua carreira na França, país onde passou a maior parte de sua vida.
Início da sua relação com o piano
Franck demonstrou interesse pela música desde criança, e seu pai – Nicholas Joseph, um balconista quase sempre desempregado -, vendo no filho uma oportunidade para enriquecer, o fez aprimorar seus estudos de piano, imaginando-o um jovem pianista-compositor prodígio, à maneira de Franz Liszt ou Sigismond Thalberg, que traria fama e fortuna para sua família. A partir dos 7 anos, Franck teve aulas na L’École Royale de Musique, de Liège e, aos 11 anos, seu pai começou a organizar uma série de concertos pelo país.
Em 1835, a família se mudou para a França e César-Auguste teve aulas de contraponto com Anton Reicha e piano com Pierre Zimmerman. Entre 1837 e 1842, estudou piano, composição e órgão no Conservatório de Paris, após ser naturalizado francês, revelando-se um aluno excelente. Suas primeiras composições datam dessa época e incluem quatro trios para piano e cordas, além de peças para piano.
Volta para Bélgica
Apesar do seu momento produtivo e do aperfeiçoamento de sua técnica ao instrumento, o pai o retirou prematuramente do conservatório em abril de 1842, pois acreditava que o filho não podia perder tempo ali e deveria partir para a consagração nos palcos europeus. Para isso, a família Franck retornou para a Bélgica onde, a partir de 1844, Franck começou a dar aulas particulares.
O retorno à Bélgica durou menos de dois anos. Concertos lucrativos não surgiram, os críticos eram indiferentes, o patrocínio da corte belga não veio (embora o rei mais tarde tenha enviado a César-Auguste uma medalha de ouro) e não havia dinheiro. No entanto, foi a partir desse período que surgiram suas primeiras composições maduras.
Em 1843, Franck começou a trabalhar no oratório “Ruth”, estreado de forma privada em 1845. Mas uma apresentação pública no início de 1846 foi recebida com indiferença e desprezo pela crítica por conta da ingenuidade e simplicidade do oratório (a obra não foi apresentada novamente até 1872, após considerável revisão).
César-Auguste, então, se retirou da vida pública e voltou à Paris, atuando como professor e acompanhador. Adotando o nome de César Franck, saiu de casa no verão de 1846 e, para se manter, deu aulas particulares e em escolas públicas e instituições religiosas, até se tornar organista da igreja Notre Dame de Lorette, em Paris. Em 1848, também contrariando a vontade do pai, casou-se com Félicité Saillot, cujo nome artístico era Desmousseaux, filha de atores, com quem teve quatro filhos.
César Franck e religião
Embora tenha iniciado os estudos no piano, foi ao órgão que César Franck conseguiu encontrar sua verdadeira vocação. Religioso, queria o cargo de organista, que proporcionava uma renda estável e dava a ele a oportunidade de combinar sua devoção católica romana com o aprendizado das habilidades necessárias para acompanhar o culto público, bem como a oportunidade ocasional de substituir seu superior, Alphonse Gilbat.
Em 1853, Franck assumiu o cargo de organista principal da igreja de Saint-Jean-Saint-François-au-Marais, que possuía um belo órgão novo de Aristide Cavaillé-Coll, construtor que vinha se destacando como criador talentoso e mecanicamente inovador de instrumentos. A habilidade de Franck e seu amor pelos instrumentos Cavaillé-Coll o levaram a viagens para cidades em toda a França para demonstrar os instrumentos mais antigos ou fazer concertos inaugurais em novos.
Em 22 de janeiro de 1858, tornou-se organista e mestre-de-capela na recém-consagrada Sainte-Clotilde, onde permaneceu até sua morte. Onze meses depois, a paróquia instalou um novo instrumento Cavaillé-Coll de três manuais. O impacto desse órgão na performance e na composição de Franck, junto à sua experiência pianística inicial, moldou sua forma de fazer música para o resto de sua vida.
A beleza de sua sonoridade e as facilidades mecânicas proporcionadas pelo instrumento contribuíram para sua reputação de improvisador e compositor. Sua primeira obra de grande importância, intitulada “Seis Peças”, foi escrita entre 1860 e 1862 (embora não tenha sido publicado até 1868) justamente para esse instrumento.
Reconhecimento do talento
Sua crescente reputação como intérprete e improvisador continuou a tornar Franck muito procurado para recitais inaugurais de órgãos Cavaillé-Coll novos ou reconstruídos. Em sua própria igreja, as pessoas começaram a comparecer para ouvir os improvisos e Franck começou a dar concertos de órgão ou recitais de suas próprias obras e de outros compositores. A partir de 1869, começou a ter um círculo regular de alunos, que estavam lá aparentemente para estudo de órgão, mas mostravam interesse crescente nas técnicas de composição de Franck.
Quando da reabertura do Conservatório de Paris, em 1872, Franck foi indicado como professor titular de órgão da instituição, mas não era cidadão francês, requisito para a nomeação. Quando seu pai, Nicolas-Joseph, se naturalizou cidadão francês para matricular seus filhos no Conservatório como estudantes, eles foram considerados cidadãos apenas até a idade de 21 anos e eram obrigados a declarar sua lealdade à França como adultos. Franck passou imediatamente pelo processo de naturalização. Sua nomeação original em 1º de fevereiro de 1872 foi regularizada em 1873. Muitos de seu círculo original de alunos estudaram ou estavam estudando no Conservatório, como Vincent d’Indy, Ernest Chausson, Louis Vierne e Henri Duparc.
Várias de suas obras mais “avançadas” apareceram nesse período: os poemas sinfônicos Le Chasseur maudit (1882) e Les Djinns (1883–1884), o “Prelúdio, Coral e Fuga” para piano (1884), as Variações Sinfônicas (1885) e a ópera Hulda (1879–85). Em 1886, Franck compôs, como presente de casamento para o violinista belga Eugène Ysaÿe, a “Sonata para violino e piano”, que se tornou sua obra mais popular.
Morte
Em maio de 1890, Franck estava andando em um táxi quando foi atingido por um bonde puxado por cavalos, ferindo sua cabeça e causando um breve desmaio. Parecia não haver efeitos posteriores imediatos, no entanto, caminhar tornava-se doloroso e ele se via cada vez mais obrigado a ausentar-se primeiro dos concertos e ensaios, para depois desistir das aulas no Conservatório.
Ele tirou férias e iniciou o novo mandato no Conservatório em outubro, mas pegou um resfriado no meio do mês. Isso se transformou em pleurisia complicada por pericardite. Depois disso, seu estado piorou rapidamente e ele morreu em 8 de novembro. Foi enterrado no cemitério Montparnasse, em Paris. Como homenagem, seu jazigo foi adornado com uma escultura de Auguste Rodin.