Em 1980, o filme “Em Algum Lugar do Passado” chegou aos cinemas trazendo a história de um jovem que retorna ao passado para resgatar seu grande amor. A mistura de romance e ficção fez muito sucesso por conta do enredo e dos atores, mas, em grande parte, também pela trilha sonora. O destaque da trilha era uma composição de Rachmaninoff, a 18ª Variação da Rapsódia sobre um Tema de Paganini, que servia de tema de amor a cada vez que o personagem lembrava de sua amada.
O interesse pela obra, uma das mais conhecidas do compositor russo, renasceu, e a Rapsódia voltou ao repertório de grandes pianistas pelo mundo. Mas Rachmaninoff deixou um legado bem maior aos amantes do piano.
Sergei Vassilievitch Rachmaninoff nasceu no dia 1 de abril de 1873, em Semyonovo, perto de Novgorod, cidade histórica entre Moscou e São Petersburgo, na Rússia. O pai, Vasily, e a mãe, Lubov, eram pianistas amadores e o compositor deve a ela suas primeiras lições. Quando o pequeno Sergei contava 4 anos, os pais contrataram Anna Ornatskaya, professora do conservatório fundado por Anton Rubinstein em 1862, que o orientou durante três anos.
Em 1882, aos 9 anos, Rachmaninoff ingressou no Conservatório de São Petersburgo e, em 1885, no Conservatório de Moscou, onde estudou com Nikolai Zverev, pedagogo renomado e severo. Também teve entre seus professores Alexander Ziloti (aluno de Liszt), Sergei Taneyev (contraponto) e Anton Arensky (harmonia). A casa de Zverev era frequentada por Tchaikovsky e entre os seus colegas encontrava-se Alexander Scriabin.
Em 1891, aos 18 anos, foi aprovado no exame final de piano, um ano mais cedo que o normal. Para concluir o curso de composição com Arensky, compôs a ópera “Aleko” que estreou no Teatro Bolshoi de Moscou em 1893. Além da ópera, compôs o seu primeiro “Concerto para piano”, entre 1890 e 1891, um conjunto de peças para piano, Morceaux de Fantaisie Op. 3, e o “Prelúdio em Dó# menor”, em 1892, obras que lhe trouxeram popularidade tanto como compositor quanto concertista praticamente da noite para o dia. A peça para piano também estabeleceu o estilo e o temperamento geral da sua música: escura, melancólica e chocante.
Em 1897, a Primeira Sinfonia de Rachmaninoff estreou como um desastre. Em um comentário pitoresco de César Cui, ela foi comparada à descrição das dez pragas do Egito e o crítico sugeriu que ela seria admirada pelos “inatos” de um conservatório de música no inferno.
A condução de Alexander Glazunov é geralmente lembrada como um problema. A esposa de Rachmaninoff, mais tarde, sugeriu que o maestro parecia bêbado. Rachmaninoff rasgou a partitura e, durante muitos anos, acreditou-se que ela estava perdida. No entanto, após a sua morte, as partes orquestrais foram encontradas no Conservatório de Leningrado e a partitura foi reconstruída, tendo sua segunda performance (e estreia americana) em 19 de março de 1948, em um concerto totalmente dedicado à sua obra, marcando o quinto aniversário de sua morte.
A recepção desastrosa, combinada com a preocupação da objeção da Igreja Ortodoxa contra o casamento com sua prima, Natalia Satina, contribuiu para um colapso mental seguido de um período em depressão, e Rachmaninoff foi incapaz de compor durante quase três anos.
Durante esse período, trabalhou como concertista, maestro e professor. Entre 1897 e 1898, ocupou o cargo de Diretor da orquestra da Companhia Privada da Ópera Russa de Moscou. A primeira turnê profissional que fez ao estrangeiro aconteceu em 1899, a Londres, onde executou seu conhecido prelúdio e dirigiu a sua fantasia para orquestra “Falésia”.
Em janeiro de 1900, Rachmaninoff consultou o Nicolai Dahl, pioneiro da hipnose em Moscou e músico amador, e iniciou um tratamento diário utilizando hipnoterapia e psicoterapia.
Conta a lenda que o compositor confessou ao médico que fizera uma promessa de executar, em Londres, um concerto para piano e orquestra, e que, durante a hipnose, Dahl sugestionava Rachmaninoff: “você vai a escrever seu concerto, trabalhará com grande facilidade, seu concerto será uma grande obra”. Se para a hipnose foi utilizado um relógio, não se sabe. No entanto, o Concerto Nº 2 para piano e orquestra em Dó menor, op. 18, o mais conhecido de Rachmaninoff, se inicia com uma série de acordes intercalados por uma nota grave, oscilando lentamente como um grande pêndulo, e foi dedicado a Dahl.
Daí em diante, Rachmaninoff compôs com fluência e usufruiu de sucesso artístico e financeiro. De 1904 a 1906 foi diretor da orquestra do Teatro Bolshoi de Moscou, dedicando-se simultaneamente à composição das óperas “O Cavaleiro Avarento” e “Francesca da Rimini”. Preocupado com a agitação política russa, mudou-se para Dresden em 1906.
Ali escreveu três das suas maiores obras: a Segunda Sinfonia (1907), o poema sinfônico A Ilha dos Mortos (1909) e o terceiro Concerto para piano, composto especialmente para sua primeira turnê pelos Estados Unidos e que estreou em Nova York em 28 de novembro de 1909, sob a regência de Gustav Mahler. Na ocasião, não apenas se apresentou como concertista como dirigiu suas composições sinfônicas e foi convidado para o posto de regente titular da Orquestra Sinfônica de Boston, mas declinou e regressou à Rússia em fevereiro de 1910. Ali, compôs outra obra notável, “Os Carrilhões”, baseada na tradução para russo de um poema de Edgar Allan Poe.
Rachmaninoff resolveu deixar definitivamente seu país em 1917, após o desastre da Rússia na primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, dividindo seu tempo entre a Europa e os Estados Unidos e retomando a carreira de sucesso como pianista, o que o afastou da composição até 1926, quando escreveu o concerto para Piano n.4. Entre 1892 e 1917 (vivendo principalmente na Rússia), ele escreveu trinta e nove composições. Entre 1918 e sua morte, em 1943, ele completou apenas seis.
Foto retirada do site thenational.ae
Em 1931, aceitou assinar uma carta com o filho de Leon Tolstoi e Ivan Ostroilenski em que criticavam o poeta indiano Rabindranath Tagore por ter escrito um artigo defendendo a União Soviética. Moscou reage banindo a música de Rachmaninoff. A interdição foi levantada em 1934 quando “Três Canções Russas” do compositor foi publicada, sendo percebido como “próximo do povo” e tido como exemplo aos jovens compositores.
A “Rapsódia Sobre um Tema de Paganini”, um de seus trabalhos mais conhecidos, foi escrito na Suíça em 1934, seguida da Sinfonia No. 3, Op. 44 (1936) e das Danças Sinfônicas Op. 45 (1940), seu último trabalho completo.
Rachmaninoff caiu doente durante uma turnê de concertos em 1942, e foi subsequentemente diagnosticado com um melanoma maligno. Morreu em 28 de março de 1943, em Beverly Hills, na Califórnia, apenas alguns dias antes de seu 70º aniversário, e foi enterrado em 1 de junho no cemitério de Kensico, em Valhalla.
A obra de Rachmaninoff
Rachmaninoff foi um dos maiores virtuoses do piano, fato comprovado pelos registros fonográficos não só dos próprios concertos como de obras de outros autores. É considerado um dos pianistas mais influentes do século 20, possuidor de um virtuosismo técnico incomparável ao piano: clareza das notas, uma taxa de erros excepcionalmente baixa, precisão do gesto e do ritmo, e um staccato extremamente preciso. Suas mãos eram capazes de cobrir um intervalo de uma 13ª no teclado e, por conta disso, podia tocar acordes complexos. Esses fatores influenciaram sobremaneira a escrita de Rachmaninoff. Muito da sua música para piano, conhecida pelos seus grandes acordes e pelos brilhantes movimentos ascendentes e descendentes pelo teclado, reflete sua exclusiva habilidade física.
Rachmaninoff não inovou em sua escrita. Suas composições estão firmemente ancoradas na tradição romântica do século 19, ainda que tenha tentado utilizar uma harmonia um pouco mais moderna. Apesar de viver durante o período do surgimento do dodecafonismo, do neoclassicismo e de outras formas que caracterizaram o período contemporâneo, suas obras espelham o estilo romântico de Tchaikovsky, Brahms, Rimsky-Korsakov e Dvořák, utilizando, muitas vezes, hinos e canções populares
Seu legado para piano e orquestra inclui cinco trabalhos: quatro concertos e a “Rapsódia Sobre um Tema de Paganini”. O terceiro concerto é considerado um dos mais difíceis já compostos, o que faz dele um dos favoritos entre muitos pianistas.
Trabalhos para piano solo incluem os Prelúdios Op. 23 e 32 que, com o Prelúdio em Dó Sustenido Menor, Op. 3 No. 2, de Morceaux de Fantaisie, percorrem todos os 24 tons maiores e menores.
Além desses, os Études-Tableaux são particularmente difíceis. Há também o Moments Musicaux, Op. 16, a Variações Sobre um Tema de Chopin, Op. 22, e a Variações Sobre um Tema de Corelli, Op. 42. Ele escreveu duas sonatas para piano e compôs trabalhos para dois pianos e quatro mãos, incluindo duas suítes (a primeira subtitulada Fantasie-Tableaux), uma versão das Danças Sinfônicas Op. 45, e a Rapsódia Russa Op. posth.
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