Mozart Camargo Guarnieri foi um dos maiores músicos nascidos em nosso País e sua obra deveria ser mais executada, conhecida e reconhecida.
Nascido em 1 de fevereiro de 1907, em Tietê, no Estado de São Paulo, o pianista, maestro e compositor era filho do imigrante italiano Miguel Guarnieri – barbeiro e flautista que gostava de batizar seus filhos com nomes de grandes músicos, como Mozart – e da pianista Géssia Arruda Camargo Penteado.
Com eles, iniciou seus estudos de música. A partir dos dez anos de idade, teve aulas de piano com o professor Virgínio Dias, a quem dedicou sua primeira composição, a valsa “Sonho de artista”, de 1918. A peça foi desdenhada pelo tutor, mas seu pai julgou que a obra era fruto de promissor talento, pagando sua publicação em 1920.
Três anos mais tarde, Miguel Guarnieri decidiu mudar-se com a família para São Paulo a fim de proporcionar melhores condições de estudo de música para o filho. Sendo uma família de poucos recursos financeiros, Guarnieri trabalhou com o pai na barbearia e como pianista. Ao mesmo tempo, frequentou aulas no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, estudando piano com Ernani Braga.
Em 1925, Guarnieri pode reduzir sua carga de trabalho e se dedicar mais ao estudo da música. Passou a ter aulas com Antônio de Sá Pereira, e, pouco tempo depois, começou também a estudar harmonia, contraponto, orquestração e composição com o maestro Lamberto Baldi, recém-chegado da Itália, que foi para São Paulo como regente de uma companhia de ópera italiana, mas acabou transferindo residência para a cidade.
Aos 21 anos, Guarnieri foi apresentado pelo pianista Antônio Munhoz a Mário de Andrade, a quem mostrou suas obras recém-compostas, “Canção Sertaneja” e “Dança Brasileira”. O escritor modernista tornou-se seu mestre intelectual e amigo, principal influência do nacionalismo que caracteriza a obra do compositor.
Muitas das canções escritas por Camargo Guarnieri foram sobre textos de Mário de Andrade, incluindo a ópera “Pedro Malazarte”. Exercendo atividade como crítico musical na imprensa, o escritor foi um dos principais responsáveis pela aceitação e pela divulgação da obra do compositor.
Na mesma época, Guarnieri ingressou como professor no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde ficou até 1933. Em 1930, escreveu a canção “O Impossível Carinho”, sobre poesia de Manuel Bandeira, um marco no canto de câmara no Brasil.
Em 1931, teve a estreia de sua primeira composição sinfônica, “Curuçá”, regida por Villa-Lobos em concerto da Sociedade Sinfônica de São Paulo. Entretanto, a peça jamais foi executada novamente, nem teve sua partitura publicada.
Indicado por Mario de Andrade, Guarnieri assumiu, em 1935, a direção e regência do Coral Paulistano, cujo foco era o de apresentar obras de compositores brasileiros com textos em português, muito raras nessa época.
Em 1938, seguiu para Paris, com bolsa de estudos concedida pelo governo de São Paulo. Lá, estudou contraponto, fuga e composição com Charles Koechlin (1867-1950) e regência de orquestra e de coro com François Rühlmann (1868-1948), regente da Orquestra da Ópera de Paris. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, retornou ao Brasil.
Em decorrência das gestões para intercâmbio cultural entre Estados Unidos e Brasil, no âmbito da Política da Boa Vizinhança de Roosevelt, Camargo Guranieri se tornou o principal compositor brasileiro a atrair a atenção do meio musical norte-americano.
Como bolsista do Departamento de Estado e da Pan-American Union, o brasileiro seguiu para os Estados Unidos em 1942, onde permaneceu por seis meses. No mesmo ano, ganhou o primeiro lugar no Concurso Internacional Fleischer Music Collection, com seu “Concerto para violino e orquestra” e dirigiu a Sinfônica de Boston. Em 1945, assumiu a direção da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo.
Na década de 1950, divulgou a polêmica Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil, documento no qual condenou o dodecafonismo, e exortou os compositores a permanecerem na trilha do nacionalismo musical.
De 1956 a 1960, atuou como assessor musical de Clovis Salgado (1906-1978), ministro de Educação e Cultura do governo Juscelino Kubitschek (1902-1976), e elaborou um plano para o ensino de música no Brasil. Em 1960, escreveu a ópera de um ato “Um Homem Só”, com libreto do teatrólogo e ator ítalo-brasileiro Gianfrancesco Guarnieri.
A década de 1950 também marca o início do que vai ficar conhecido como Escola Paulista, com Camargo Guarnieri se tornando um dos principais professores de composição no País. Entre seus alunos destacaram-se os nomes de Osvaldo Lacerda, Lina Pires de Campos, Marlos Nobre, Almeida Prado, Villani-Côrtes e Nilson Lombardi.
Guarnieri criou, em 1975, a Orquestra Sinfônica da USP, da qual foi regente titular por quase duas décadas. Faleceu em São Paulo, em 13 de janeiro de 1993, logo após ter sido agraciado com o prêmio “Gabriela Mistral”, pela OEA (Washington), como “Maior Compositor Contemporâneo das Três Américas”.
O acervo pessoal de Camargo Guarnieri, incluindo correspondência pessoal, partituras, discos, recortes de jornal e outros itens, está depositado no arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP), e consiste no principal arquivo para pesquisa sobre o compositor.
A obra de Camargo Guarnieri
Segundo estudiosos, Guarnieri, em termos formais, foi o mais importante compositor brasileiro. Apesar de ter escrito menos Sinfonias que Heitor Villa-Lobos, suas obras sinfônicas são as mais bem estruturadas e orquestradas.
E é dele a mais importante sonata para piano de um autor nacional, a “Sonata”, de 1972. Compôs mais de 700 peças, sendo um dos autores nacionais mais interpretados no exterior. Recebeu inúmeros prêmios, condecorações e medalhas, que somam mais de 100 títulos nacionais e internacionais de composição.
Seu nacionalismo não consiste em empregar elementos folclóricos não modificados. Em toda a sua obra existem poucos exemplos de utilização direta desses temas. Guarnieri sempre quis ser reconhecido como compositor nacional e não folclórico, acreditando que a música brasileira nacionalista pressupõe a inspiração no material folclórico.
Em sua música aparecem com frequência os ritmos fortes dos cocos e emboladas, as suaves sincopadas das toadas e modinhas e as danças de roda.
Utiliza com regularidade a forma de composição ABA, em que a parte B, frequentemente, é um desenvolvimento de A, que ao retornar, é harmonizada de forma diferente, dando uma nova cor ao tema. O modo mixolídio (sétimo grau da escala meio tom abaixo) e o modo do Nordeste (além do sétimo grau meio tom abaixo, apresenta o quarto grau meio tom acima) estão bastante presentes em suas composições.
Sua obra é rica e diversificada, abrangendo os mais diferentes gêneros. Escreveu sete Sinfonias, seis Concertos para piano, concertos e peças concertantes para violino, viola, violoncelo, flauta e clarineta, além de música de câmara para diversas formações.
Na música para piano solo se destacam as sonatas e sonatinas e os “50 Ponteios”. Abordou também a música para cinema (Rebelião em Vila Rica) e a ópera (“Pedro Malazartes” e “Um homem só”). Deixou também grande número de canções, obras para coro e música sacra.