Poucos são aqueles que nunca ouviram uma das mais emblemáticas obras escritas para orquestra, o famoso “Bolero”, de Maurice Ravel. No entanto, apesar da fama da composição, muitos não conhecem a totalidade da obra do francês, nem tampouco fazem ideia de sua importância para a música do início do século 20.
Ravel não foi um músico revolucionário, pois, na maior parte de sua obra, se nota sua satisfação em trabalhar dentro das convenções formais e harmônicas estabelecidas em sua época, ainda firmemente enraizadas na tonalidade. Deixando como legado importantes obras para piano, Ravel tratou o instrumento de forma tão pessoal que se pode dizer que forjou uma linguagem própria, que carrega a marca de sua personalidade tão fortemente quanto as obras de Bach ou Chopin.
A frase “a tradição é a personalidade dos imbecis”, proferida pelo compositor, ilustra bem sua concepção artística. Continue a leitura para saber um pouco mais sobre sua história!
Quem foi Maurice Ravel?
Joseph-Maurice Ravel, nasceu em 7 de março de 1875, na vila de Ciboure, na França, filho do engenheiro suíço Pierre Joseph Ravel e da fidalga francesa Marie Delouart Ravel. Poucos meses depois de seu nascimento, a família mudou-se para Paris, onde teve suas primeiras aulas de piano, aos sete anos, com o professor Henry Ghys, na mesma época que o irmão Edouard, três anos mais novo.
Apesar do talento nato, era preguiçoso e, para obrigá-lo a estudar piano, o pai lhe prometia pequenas gorjetas. Em 1887, recebeu precocemente aulas de harmonia, contraponto e composição de Charles René. Dois anos mais tarde, aos 14, ingressou no Conservatório de Paris, onde estudou de 1889 a 1895 e de 1897 a 1903, tendo como professores Charles de Bériot, Gabriel Fauré e André Gédalge.
Conquistou o primeiro prêmio numa competição interna em 1891, fase em que conheceu Claude Debussy, outro luminar da época. Nesse período, compôs algumas de suas obras mais conhecidas, incluindo “Menuet antique” (1895), “Valse em Ré Maior para piano” (1898) e a também famosa “Pavane pour une Infante Défunte” (1899).
O “fracasso” de Ravel
Ravel nunca aceitou muito bem as aulas coletivas e, após uma década de aprendizado em classe, passou a estudar sozinho as regras de composição. Durante anos se preparou para concorrer ao Grande Prêmio de Música de Roma, evento que consagrava novos talentos. Seu fracasso após várias tentativas – as obras que apresentou foram julgadas muito “avançadas” por membros do júri – causou escândalo. Considerado um dos favoritos à conquista em 1900, sofreu sua maior decepção ao ser derrotado.
Protestos indignados foram publicados, e músicos e escritores apoiaram Ravel. Como resultado, o diretor do Conservatório, Théodore Dubois, foi forçado a renunciar, e seu lugar foi ocupado pelo compositor Gabriel Fauré, com quem Ravel havia estudado composição. O compositor nunca se conformou e há relatos de que, desde então, se tornou uma pessoa arredia. Chegou, inclusive, a recusar a Legião de Honra, principal condecoração francesa. Nesta época, confidenciou aos amigos que precisava criar uma obra especial, que caísse no gosto do público e, ao mesmo tempo, agradasse a crítica. Compôs, então, o ciclo de canções “Shéhérazade”, em 1903, com que obteve relativo êxito.
A fase de trabalho fértil
Um ano após a morte de seu pai em 1908, Ravel decidiu morar sozinho. Nesse período, compôs sua primeira ópera, “L’ Heure espagnole”, e iniciou uma fase de trabalho fértil. Desse período são “Gaspard de La Nuit” (1908), “Ma Mère l’Oye (1908-1910), “Daphnis et Chloé” (1909-1912), “Valses nobles et sentimentales” (1911), “Trois Poèmes de Stéphane Mallarmé” (1913) e “La Tombeau de Couperin” (1914), suíte para piano em seis movimentos, cada um dedicado a um amigo perdido na guerra, e uma homenagem à música francesa do século 18.
A vida de Ravel foi normalmente monótona. Ele nunca se casou e não teve filhos e, embora gostasse da companhia de alguns amigos, viveu de forma semi-reclusa em sua casa em Montfort-L’Amaury, perto de Paris. Em 1914, apressou-se para concluir o “Trio para piano, violino e violoncelo” antes de alistar-se no Exército, por ocasião da Primeira Guerra Mundial, onde serviu por um curto período como motorista de caminhão no front. Mas o esforço era muito grande para sua constituição frágil e ele foi dispensado do exército em 1917. A perda da mãe, no mesmo, o abalou profundamente.
São do início da década de 1920 obras como “La valse”, a “Sonata para violino e violoncelo” e a famosa orquestração de “Quadros de uma exposição”, de Mussorgsky. Em 1925, Ravel finalizou sua segunda ópera, “L’enfant et les sortilèges”.
Como o “Bolero” foi criado?
O famoso “Bolero” é de 1928 e foi escrito a pedido da atriz e bailarina russa Ida Rubinstein, que solicitou uma peça de curta duração baseada em tradições musicais espanholas. Inspirado na ascendência basca de sua mãe e no interesse que tinha pela música espanhola, Ravel compôs o Bolero como uma espécie de exercício de orquestração. No mesmo ano, o francês, embarcou em uma turnê de quatro meses pelo Canadá e pelos Estados Unidos e visitou a Inglaterra para receber um título honorário de Doutor em Música pela Universidade de Oxford.
Nos anos seguintes escreveu duas de suas mais importantes obras: o “Concerto para mão esquerda” (1931) – encomendado pelo pianista Paul Wittgenstein, que havia perdido o braço direito na guerra – e o “Concerto para Piano e Orquestra em Sol Maior”.
Em 1932, uma lesão sofrida em um acidente de carro deixaria sequelas irreversíveis. Sua memória foi afetada e a coordenação dos movimentos jamais foi a mesma. Ravel escreveu a última obra em 1934 e, a partir de então, ficou incapacitado para compor.
Em 1937, por conta de dores de cabeça terríveis que sentia, os médicos resolveram submetê-lo a uma cirurgia para aliviar a obstrução de um vaso sanguíneo. Depois disso, Maurice Ravel não mais recobrou a consciência. Faleceu no dia 28 de dezembro do mesmo ano.