O público sempre se impressiona quando o pianista cruza as mãos sobre o teclado e toca notas agudas com a mão esquerda ou notas graves com a direita. Esse recurso, aparentemente de difícil execução e de que apenas pianistas virtuoses lançam mão, na verdade tem como objetivo facilitar a interpretação e manter a integridade da proposta musical. Por conta disso, é utilizado, geralmente, quando há uma parte em que uma mão toca o mesmo grupo de notas ou desenho enquanto a outra é responsável por outros elementos como melodia ou baixo.
Seu uso também é frequente em peças de grande dificuldade técnica quando uma das mãos está ocupada realizando alguma passagem e a outra precisa assumir o protagonismo e tocar a melodia. O ato em si não traz dificuldades, apesar do efeito impressionante que causa, bastando ao pianista saber quais notas e em qual altura devem ser tocadas.
Exercícios de mãos cruzadas no piano
Um dos primeiros a teóricos a trabalhar especificamente o cruzamento das mãos foi Carl Czerny. Em seu método Op. 500, o autor exemplifica o cruzamento da mão esquerda sobre a direita e o cruzamento da direita sobre a esquerda.
Pode-se perceber claramente em ambos os exemplos que o objetivo é continuar executando o mesmo desenho de acompanhamento com uma mão enquanto a outra se encarrega dos baixos e da melodia.
Mas não apenas no âmbito dos estudos o recurso foi explicitado. Vários compositores utilizaram a técnica para possibilitar a execução de suas ideias musicais. O alemão J. S. Bach, na Giga de sua primeira Partita, utiliza as mãos cruzadas no piano de forma a manter a mesma sonoridade para a melodia e o acompanhamento.
Além dele, vários outros compositores lançaram mão do recurso, como Scarlatti, na Sonata em Ré menor K.141, e W. A. Mozart, na Sonata Nº 14 em Dó Menor K.457. Mas as mãos cruzadas no piano foi mais amplamente utilizado durante e após o período romântico, por conta do desenvolvimento da linguagem pianística e das necessidades composicionais dos autores da época, incluindo F. Liszt em seu estudo “Un sospiro”, R. Schumann no Fantasiestucke Op. 12, F. Mendelssohn no estudo Op.104 Nº 2, e César Frank no Prelúdio, Coral e Fuga, além de J. Brahms em sua Rapsódia No. 2 in Sol menor, Op.79.
Mas até mesmo o gênio Beethoven, na famosa Sonata Patética, op. 13, e o impressionista Claude Debussy, em “Jardins sous la pluie” se renderam às possibilidade do recurso para facilitar a execução de suas ideias musicais.